quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Solidão

Poesia que fiz há alguns anos... Pensando na morte, na separação, nos desvios e desacertos dessa vida. O que eu certamente sentiria, se viesse a perder a minha amada, a minha princesa. Se eu resistisse...


Vidas atrás, tu e eu:
moleques transviados.
A camisa listradinha da moda,
e a descoberta da impunidade,
sem medo, bêibe, sem maldade.
A camisinha grudada em ti
e teus seios-meninos...

O banho de perfumes
que me destes, e os cheiros vizinhos
sensuais, e a pressão da mass-mídia,
demais, bêibi, demais.

E nós dois na cachoeira
na nossa Marombassanta
e o baixa-santo teu e meu,
nosso batismo safado
de cânhamo e fluidos
e suor e patchouli...

E o frenesi o frenesi,
o carro quebrado madrugadinha,
na estrada esburacada.
O incenso no buraco do galho,
o toco-de-vela na mão
e os risos de rebrilho, e o namoro-arroxado
no ponto do ônibus que jamais chegava...

Suados, quentes, tu sorris, eu tonto.
O carro nosso, deusa, pra sempre inútil...
E o desejo nosso fútil
de morar por lá na serra,
dois bichos-do-mato,
pra ter uma ninhada...

No ônibus pra algum lugar.
E de novo pé-na-estrada,
abraçados no ato, mochilas, canequinhas,
o teu travesseirinho azul,
bolsas a tiracolo e o imprescindível
cobertor quadriculado.

E eu, alucinado
com teu medo fake de seres violada
por teu vândalo, n’alguma curva
mais escurinha – o teu desejo
confesso, maroto, safado
de seres violada, agorinha,
naquele berço fofo de capim-limão,
de flores-gilquinhas...

***

A camisinha grudada,
o teu despudor, a minha tara,
o nosso carro quebrado,
pobre coitado,

a doce violência, o afago,
seu medo-pânico fingido
do teu vândalo/vassalo em nossos
transportes de gozo,
minha princesa, princesa,
princesa, princesa minha,
minha deusa, meu amor,
meu amor...!

se foram, todos, pra sempre,
contigo.

***

Hoje, sou respeitável,
sou cidadão imaculado,
verdadeiro pilar da comunidade.

Aqui, hoje, cercado desses falsos luminares,
me apequeno e sobrenado.
E sobrevivo nessa descarnada realidade
do meu dia-a-dia.

Sabes? Nessa casa fria
coisas me vêm na cabeça, doidas,
quando chove como agora...

É que sozinho fiquei

pra sempre, querida, tragicômico,
depois que te fostes, assim,

tão casual – levada tão cedo
pro céu.


(Na boca, esse gosto de fel
que não se vai...)

Enguiçado fiquei, sabes, querida? naquela mata,
n’algum ponto remoto do tempo
perdido pra sempre,
à cata da nossa vida,
do teu rosto
teu suor
tua voz
de ti