segunda-feira, 28 de março de 2011

Faz-de-conta

A cada hora que passa, envelhecemos, veja só! uma hora – eu e você, nossos amigos, nossas vidas tortas, todos, todinhos: envelhecemos mais uma hora. E por aí pára a semelhança entre eu e todo o resto do mundo. Porque a minha hora de velhice é exclusiva, e todos os seus segundos, todos os instantes descontínuos da minha hora de velhice são tão próprios, tão meus, que chego mesmo a perceber que posso vivenciar mais intensamente as pequenas tragédias e as coisas boas que passam, como um filme, sem parar, na minha vida.

É por isso, querida, que aproveito tanto essas minhas horas. E por aproveitá-las assim, com tanta gana, tanto tesão, aproveito também cada momento – aqueles instantes em que me volto pra dentro e curto a dor e a delícia de estar bem vivo,  na corda bamba, na fissura de não saber se tudo isso a que chamamos vida terá realmente continuidade no minuto seguinte...

E é por isso, meu amor, que relaxo às vezes, fico bobo, desleixado, babaca, e pareço fora de sintonia com as coisas todas que me cercam. Pois afinal, o resto do mundo pouco vale, pra mim, quando estou vivendo intensamente minha quotinha de existir. Então, combato em todas as cruzadas santas que a minha imaginação moleque e preguiçosa cria, feliz da vida...

Nesse universo interior posso ser o que quiser: rei e mendigo, puta rampeira, agiota, cavaleiro andante, um bicho, uma árvore, gigolô frustrado, um cientista famoso, um artista de cinema, um bicho de pelúcia, vândalo do século X, mártir & algoz, sei lá!, santo anacoreta, artista de  Circo, um palhaço... mas sempre, quase sempre sempre sempre, uma criança gulosa que, afinal, redescobre, nessa hora que passa, a alegria de viver plenamente todos os papéis contigo - apenas contigo.

Deixa então esse teu ator destrambelhado ficar assim. Seja sempre minha cúmplice. Que esse mundo real, essa terra dos adultos, esse lodaçal onde estão atolados homens cinzentos e engravatados não é pra nós poetas, não serve prá quem ama de verdade, prá quem está sempre apaixonado... Deixa eu ficar no meu mundo de faz-de-conta, querida, no meu universo verdadeiro, onde, além de mim – fica sabendo - só cabe mais você.

Nenhum comentário:

Postar um comentário