quarta-feira, 30 de março de 2011

Não queros

Não quero dar as costas pra vida
Não quero perder a linha
Não quero me despedir da alegria
Não quero dançar feio
Não quero parar de
cantar e cantar
e cantar
e cantar.

Não quero.

(O que quero é que você
queira encarar a barra
queira caminhar bem torta
queira me saudar à noitinha
queira ser meu par eterno
queira cantar e
cantar e
cantar
comigo.)

O que eu mais quero
é que me queiras
como eu te quero,
querida.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Faz-de-conta

A cada hora que passa, envelhecemos, veja só! uma hora – eu e você, nossos amigos, nossas vidas tortas, todos, todinhos: envelhecemos mais uma hora. E por aí pára a semelhança entre eu e todo o resto do mundo. Porque a minha hora de velhice é exclusiva, e todos os seus segundos, todos os instantes descontínuos da minha hora de velhice são tão próprios, tão meus, que chego mesmo a perceber que posso vivenciar mais intensamente as pequenas tragédias e as coisas boas que passam, como um filme, sem parar, na minha vida.

É por isso, querida, que aproveito tanto essas minhas horas. E por aproveitá-las assim, com tanta gana, tanto tesão, aproveito também cada momento – aqueles instantes em que me volto pra dentro e curto a dor e a delícia de estar bem vivo,  na corda bamba, na fissura de não saber se tudo isso a que chamamos vida terá realmente continuidade no minuto seguinte...

E é por isso, meu amor, que relaxo às vezes, fico bobo, desleixado, babaca, e pareço fora de sintonia com as coisas todas que me cercam. Pois afinal, o resto do mundo pouco vale, pra mim, quando estou vivendo intensamente minha quotinha de existir. Então, combato em todas as cruzadas santas que a minha imaginação moleque e preguiçosa cria, feliz da vida...

Nesse universo interior posso ser o que quiser: rei e mendigo, puta rampeira, agiota, cavaleiro andante, um bicho, uma árvore, gigolô frustrado, um cientista famoso, um artista de cinema, um bicho de pelúcia, vândalo do século X, mártir & algoz, sei lá!, santo anacoreta, artista de  Circo, um palhaço... mas sempre, quase sempre sempre sempre, uma criança gulosa que, afinal, redescobre, nessa hora que passa, a alegria de viver plenamente todos os papéis contigo - apenas contigo.

Deixa então esse teu ator destrambelhado ficar assim. Seja sempre minha cúmplice. Que esse mundo real, essa terra dos adultos, esse lodaçal onde estão atolados homens cinzentos e engravatados não é pra nós poetas, não serve prá quem ama de verdade, prá quem está sempre apaixonado... Deixa eu ficar no meu mundo de faz-de-conta, querida, no meu universo verdadeiro, onde, além de mim – fica sabendo - só cabe mais você.

quarta-feira, 23 de março de 2011

HERÓI POR UM DIA
(depois de ouvir "Heroes", com Wallflowers. Música e letra do imenso David Bowie)


Corto a grama, periodicamente... Mas queria cortar cabeças hediondas pra te proteger dos perigos todos, te salvar de todos os abismos. Lavo a louça, quando ela se amontoa na pia. Mas queria lavar esse meu cotidiano, para que caminhasses de novo num chão limpinho e puro, e não por essas estradas da vida que se abrem sem mais nos conduzir ao desconhecido e ao maravilhoso, que nos engolem com seus buracos e nos afogam no abismo de mesmice de cada dia, dia após dia...
 
Batuco cotidianamente no meu teclado, que a vida é dura, e é preciso correr atrás da grana... Nos livros, vivo em meio a imagens de ossos fraturados, de cortes cirúrgicos, vísceras, fígados... E de fotografias impressionantes de cânceres e deformidades e outros malefícios, e de distúrbios que só existem, princesa, no imaginário dos especialistas e dos ultra-especialistas dessa medicina tão moderna e tão inútil, nos livros que traduzo, cotidianamente.

Ah, princesa, é só isso que faço... Mas queria mesmo é batucar noutros teclados. Com uma acha de lenha pesada e nodosa firmemente empunhada, queria avassalar teus pesadelos, e porrar firme tuas indecisões e matar de susto teus medos e terrores que não consigo ainda compreender... E deixar desanuviada tua cabecinha loura, com tanto espaço vazio, querida, mas tanto!, que eu, certamente, caberia todinho nela, e povoaria, herói sempre! tuas manhãzinhas enevoadas e o dia inteiro. E, nas noites enluaradas, provaria, safado e sorridente, dos teus prazeres... E quando a madrugadinha baixasse, e se, com sorte, estivesse chovendo tempestades coruscosas e raios fulgurantes, certamente tu acordarias assustada e me convocarias, chorosa, pra combater novamente por ti, para afastar esses novos terrores que chegam quando estamos sós, no meio da chuvarada.
 
Ah, moça complicada, criança exigente, mulher maluca, queria não ser o lamentável Homem Comum dos Nossos Dias, esse patético ser, amedrontado por cartões de crédito e contas bancárias, pelas dívidas idiotas que fazemos todos nós; conivente com a onipresente falta de ética e de pudor e de vergonha-na-cara que campeiam, mesmo entre aqueles que consideramos nossos “amigos”... Queria não temer, como um rato de esgoto, o simples ato de caminhar à noitinha pelas ruas da cidade...

Queria não depender de um empreguinho estúpido e tão pouco criativo. Queria não me trair. Queria não me perder – que há tanta coisa boa a fazer e a pensar! – nas bobagens triviais que consomem nossos dias: contas, despesas, a roupinha da moda, atritos babacas, rusgas idiotas, a necessidade de ostentar o que não somos, o eterno representar diante de outras pessoas, quase sempre tão idiotas como nós, tão perplexas como estamos... Não queria mostrar somente a pontinha do iceberg que sou eu. Queria me desenterrar para os amigos, conversar mais, rir mais...Queria me revelar todo, inteiro, e queria que todos se revelassem – quantidades completamente conhecidas que deveriam ser, ávidas de vida... Queria não ser esse cara tão previsível, que já não combate mais à sombra das inúmeras setas lançadas pela vida, como combatiam, com um sorriso largo de escárnio, os heróis guerreiros de outrora, à espera da morte honrosa... 
 
E como já combati, co’a tua imagem pregada junto a meu peito, tua fotografia de menina sorridente e feliz, balançando junto com meu coração ! Ah, princesa, como eu queria de novo ser
Herói apenas por mais um dia, pra que tu me percebesses novamente e, ao me enxergar, me olhasses no fundo, como olhavas antigamente. E visses em mim não essa casca velha que agora apresento, essa ruína, esse cara sem fé, mas um espelho que refletia, milímetro a milímetro, segundo após segundo, tua própria insolência e fome de vida... Que teus olhos reconhecessem, ainda uma vez ! o guerreiro corajoso e bravo que sempre te conduzia, há milhões de anos atrás, pro universo recôndito e misterioso dele, pro seu mundo repleto de flores cheirosas, de mágicos e de fadas, de deuses e diabos, anjos e unicórnios e íncubos... Que descobrisses novamente, maravilhada e contente, faminta mas saciada, teu antigo celacanto, vigoroso e voraz, amante e maior amigo, teu antigo peixe-cavaleiro pra todas as horas dessa nossa vida... Teu herói para todo o sempre.

Descaminhos

descaminho I

meus pelos se desencaminham
quando passo o pente de meus dedos
na minha calota, o meu topo.


minhas idéias se desencaminham
quando passo a faca dos meus sonhos
no que sempre digo que farei.

 
meus desejos se desencaminham
quando passo o fogo de meu querer
no lixo que é minha cabeça.


meus gritos se desencaminham, também,
quando passo o tempo da minha vida
a ver navios onde não andarei.


meus sorrisos e bons-dias se desencaminham
quando as pessoas se encolhem, sempre,
pro golpe meu, que não virá



minha paixão e volúpia se desencaminham
quando você me olha, assim, debochada,
e vira as costas, e me vira as entranhas
e raízes...



mas tudo agora
já é passado, há exatos 3 segundos.
minhas idéias se recompõem,
fingidamente corajosas,

e me penteio
com meu pente flamengo.
 

e penso no que comerei,
já-já, meu ato falho.

sigo a rota, viro eu mesmo,
e desejo intensamente algo
que possa comprar
no primeiro shopping,

na primeira butique,
no primeiro desastre
no primeiro sorvo
de ar.


e rio e limpo as lágrimas, e repouso na mesmice
destas coisas todas... isso passa, sempre passará,
e o tempo da minha vida toda
ficará por conta do acaso.



juro, veemente, como sempre, que jamais
cumprimentarei pessoas que nada me dizem,
e que minha polidez se acabará
com o fim desta reflexão.



e me abandono completamente
à possibilidade do teu sorriso,
meu anjo exterminador,
 

um sorriso que, afinal,
podia ser franco, amoroso e amigo,
direto dos lábios para o coração,

bypassando de vez o meu topo
& a minha calota velha,

pra m’encaminhar de uma vez.

descaminho II


no meu topo, penso
no que sempre digo que farei,
no lixo que é minha cabeça,
a ver navios onde não andarei,
desatento pro golpe que não virá
até o minuto seguinte...

destas coisas todas, digo:
isso passa, sempre passará
se teu sorriso vier, amada,
meu anjo-benfazejo e meu extermínio,
bypassando o meu topo
& a minha calota velha.


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Solidão

Poesia que fiz há alguns anos... Pensando na morte, na separação, nos desvios e desacertos dessa vida. O que eu certamente sentiria, se viesse a perder a minha amada, a minha princesa. Se eu resistisse...


Vidas atrás, tu e eu:
moleques transviados.
A camisa listradinha da moda,
e a descoberta da impunidade,
sem medo, bêibe, sem maldade.
A camisinha grudada em ti
e teus seios-meninos...

O banho de perfumes
que me destes, e os cheiros vizinhos
sensuais, e a pressão da mass-mídia,
demais, bêibi, demais.

E nós dois na cachoeira
na nossa Marombassanta
e o baixa-santo teu e meu,
nosso batismo safado
de cânhamo e fluidos
e suor e patchouli...

E o frenesi o frenesi,
o carro quebrado madrugadinha,
na estrada esburacada.
O incenso no buraco do galho,
o toco-de-vela na mão
e os risos de rebrilho, e o namoro-arroxado
no ponto do ônibus que jamais chegava...

Suados, quentes, tu sorris, eu tonto.
O carro nosso, deusa, pra sempre inútil...
E o desejo nosso fútil
de morar por lá na serra,
dois bichos-do-mato,
pra ter uma ninhada...

No ônibus pra algum lugar.
E de novo pé-na-estrada,
abraçados no ato, mochilas, canequinhas,
o teu travesseirinho azul,
bolsas a tiracolo e o imprescindível
cobertor quadriculado.

E eu, alucinado
com teu medo fake de seres violada
por teu vândalo, n’alguma curva
mais escurinha – o teu desejo
confesso, maroto, safado
de seres violada, agorinha,
naquele berço fofo de capim-limão,
de flores-gilquinhas...

***

A camisinha grudada,
o teu despudor, a minha tara,
o nosso carro quebrado,
pobre coitado,

a doce violência, o afago,
seu medo-pânico fingido
do teu vândalo/vassalo em nossos
transportes de gozo,
minha princesa, princesa,
princesa, princesa minha,
minha deusa, meu amor,
meu amor...!

se foram, todos, pra sempre,
contigo.

***

Hoje, sou respeitável,
sou cidadão imaculado,
verdadeiro pilar da comunidade.

Aqui, hoje, cercado desses falsos luminares,
me apequeno e sobrenado.
E sobrevivo nessa descarnada realidade
do meu dia-a-dia.

Sabes? Nessa casa fria
coisas me vêm na cabeça, doidas,
quando chove como agora...

É que sozinho fiquei

pra sempre, querida, tragicômico,
depois que te fostes, assim,

tão casual – levada tão cedo
pro céu.


(Na boca, esse gosto de fel
que não se vai...)

Enguiçado fiquei, sabes, querida? naquela mata,
n’algum ponto remoto do tempo
perdido pra sempre,
à cata da nossa vida,
do teu rosto
teu suor
tua voz
de ti


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Thick as a brick – uma poesia

E finalmente, me preguntas…
…as coisas que ando fazendo (e tu,
louca lunática mulher loura fascinante,
e tu – que só trampas & deblateras?!!!…)
 

E te respondo na lata,
e me solto prerrasgado, e finjo
fugir das feras engravatadas
da televisão.
E então, ohlho no ohlho, me preguntas,
¿“devo comer uma maçã, ou umamão?”
 

E ato contínuo me antropofagas
e começas pelas fofas almofadas
dos dedinhos da mão de trabalho,
tu com esse teu ar pseudocasto,
com teu vestidinho azul plissado
cheio de botões e de missangas…

Eu, eu executo mais uma vez
o meu destemido ato falho
de não me comprometer – não
declarar a minha paixão.
E me listas então, como sempre,
tudo o que não serei, puta loura,
louraça, e ¿porque me decrepito assim
(preguntas), de maneira tão veloz, meu filho,
tão arrasadora?…

De minha série "Duetos". Rita Lee Jones & Daminhão Experiença

Ah, minha lady, minha senhora,
que falta de tato a minha, que falta de visão!
É que aqui, nesse mundinho meu,
inexistem coisas diáfanas, o dar e pedir perdão,
desapareceram coisas até mais importantes, como
o comer e o beber – e se o ar já me falta,
só o essencial sobrenada:
a minha paixão e um cravo na lapela…

Vê que inda ontem eu abria a voz e a goela,
e não era pra esbravejar contra o meu destino…
(Ah, meu tempo de brincar com as mulheres,
que época, aquella… Inda lembro,
anteontem demanhãzinha tomando café
preto pão francês ovos fritos com pouco sal:
“Três mocinhas elegantes, três mocinhas elegantes,
cobra, jacaré, elefante” e “a bunda da velha,
amarelinha” – como eu cantava elas todas,
e como nelas todas eu pressentia já então
a tua farta cabeleira…)

Poisé, loura quasi-ex-minha,
quero te declarar de peito aberto –
Vou de vento em popa, eu e meu castelo,
pr’enfrentar a tempestade.
 

Pensando na morte & na mortadela,
doido pra cometer algum desatino, algo
muito easy rider, algo famigerado,
desatento dos celacantos e das sereias,
eu & meu mundinho…

Pronto, cara mia, pra procela
e pro irreparável

Só que ultimamente virei dromedário, ou
nelore branco e pávido, ou uma alimária,
bovino nédio, descascado e concreto -
um cara de cabeça dura como um tijolo
(talvez não tão opaco, se me permites),
ouvindo ainda os guitar heroes
d’outrora, veja só!

Mas sempre e ainda seco & ávido
por te comer, querida,
todos os dias!, todas as horas!,
nem que seja na minha farta imaginação…
É que preciso muito de ti, querida,
 

Nem que seja pra dar um motivo cabal
do praquê essa merda de vida,
do porquê esse imenso saco,
meu anjo, minha vida,
nem que seja….
…pra rezar contigo
um amen final

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cordel da Morte Derrotada e da Vida Vencedora

olha o sopro do dragão
olha o sopro do dragão
ohlha o sopro do dragão -
não castra, vaca-morte,
minha imaginação

ohlha a não-concretização
da imobilidade do meu coração
olha os furos perfurados
do meu coração
a buraqueira, a fossa
que debalde cavastes...

goza o sopro abafado do dragão, morte-vaca,
cabra safada, perna-torta, agoureira
o teu remédio, teu elixir
pela última vez...

larga da minha mão,
que deixei de ser freguês
do meu negativo não,
e o meu quase, o meu talvez
ficou já bem pra trás...

agora sou só sim-de-verdade
sou fera à cata da felicidade
me larga, parca, então
respeita a minha a-fir-ma-ção

deixa de atropelação, bruxa-da-foice
que sou temente aos Deuses -
Os Todo-Poderosos

que sou diamante-bruto e rebrilhante
sou vivo, ágil, alegre, formoso
e tu és o nada, o vazio, o esquecimento,
vidro-fosco-sujo-podre-e-estilhaçado...

e não sorve mais meu pranto -
que nesse aperto, nesse desacato
já estou completo, desatado,
e te vencerei sempre pelo amor.

fica sabendo, morte-morrida - sou pura cor
sou forma, eletricidade, movimento, ação
e que não sou ouriço-caixeiro, e nem perereca
nem comida-estragada,
e nem bicho rasteiro
e nem minhoca.

o que eu sou agora, é
fenda aberta, greta, o cavucado, pororoca-voçoroca
montanhas inatingíveis de tão geladas e altas
o mar profundo, a onda perfeita,

as nuvens do céu, as estrelas,
a lua, o sol, os planetas-todos,
a mata fechada, a paz total, a total afeição
puro encanto, puro amor
incondicional


















O que sou agora, morte-besta, é
um sonho, um sonho-bem-sonhado-e-imortal,
uma alma-pura-de-fera-bicho-animal
aves de arribação

arvore secular
pedra-de-toque
redonda e pesada,
a mais pura convicção
na força e glória dos Corifeus...

Ah, morte-besta, que não me finarei...
sou diamante, sou diamante rútilo, tu és vidro,
eu sou sempre eu, artista solitário no plano da Terra,
e tu - tu és apenas a porca-guerra
o nunca-mais, o desfazimento.

E se algum dia eu mesmo me finar,
voltarei ainda pra de vez te desancar -
o pior de todos os demos

e o mais sublime de todos os santos

cheio de alegria, imune à dor,
valente e puro como os unicórnios,
interminável como aqueles peixes-de-braços,
os eternos peixes-CELACANTOS