quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cegonha Negra




Estou nu.
Nesse momento, estou nu.

Fico a pensar em velhos amigos,
outras conversas, outros dias.
Já posso ouvir sons e cantorias,
vozes e cores que reverberam
em mim com força,
sutis e elegantes.

(Apenas textos, idiomas
feito bordados de missangas e diamantes
sobre coisas passadas, revelações,
mesuras e rituais...
 

Mas que me confortam, sempre,
neófito que sou, e me explicitam,
iluminam um pouco mais.)

Estou assim, nu, em paz,
a sonhar meus medos,
na minha cadeira.

Absorto, olho o mundo,
pr’além dos meus dedos
e dos braços estirados –
E vejo, recortada de luz,
uma grande cegonha negra...

 


Emoldurada pela janela
antiga e carcomida,
paira a ave cor-de-azeviche,
cor de anjo da morte.

Entra no quarto, imponente, forte,
bicuda, solene. A ave olha, ressentida,
pra moldura de Riga da minha janela.

É bela a cegonha, é bela,
e me enamoro perdidamente
pelas ilhas brancas de seus olhos circulares,
naquele imenso oceano escuro...

Proponho então, súbito, num repente,
paixão eterna, um querer amigo e puro.
Dar minha solidão pra ela,
a minha entrega...

A ave ohlha, nostálgica,
minha nudez lamentável,
minha vontade cega
e inútil, e se volta pra janela.

“Estou velha
e cansada. Gosto de ti
(me sussurra, recatada),
mas o ar já me falta, e
já foi lançada a minha sorte...”

E a velha senhora
voa, então, pros céus do norte. Ahhh...

(Restou a janela antiga
e, mais pr’além, meu jardim
florido e um mar revolto
de ondas assustadoras, bravias..)

Me consolo, enfim:
nada a fazer.
Lá fora,
já começa a ventania
e as árvores estalam.

Findou o dia, os insetos todos
e os pássaros se calam.
Comigo, ficam só a penumbra
e os sons distantes da cidadezinha,
lá fora...

Fecho a janela, tristonho,
que faz frio no meu quarto, agora.
Faz sempre muito frio nesse mundo
de cegonhas moribundas
e de homens exatos e sem sonhos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário